Historicamente o que podemos constatar é que inicialmente foi construído um “cordão sanitário”, uma linha imaginária que afastavam os pobres com finalidade de não contaminar os ricos.

A proposta de educação em saúde criou uma lógica que identificava as classes populares conforme Cecília Coimbra denomina de “classes perigosas”, como ignorantes e sujas para a sociedade. Partindo desse princípio constatamos que as pessoas que não tiveram acesso à escolaridade são ignorantes, e como consequência, pobres e desempregadas, e pela falta de conhecimento vivem em condições de falta de higiene. A partir desse parâmetro podemos dizer que a educação e saúde passam por quatro eixos: água, higiene, habitação e escola.

Em 1941, a Comissão sugerida por Moura entrega seu relatório contendo as seguintes recomendações: a) o controle de entrada no Rio de Janeiro de indivíduos de baixa condição social; b) o recâmbio de indivíduos de tal condição para os seus estados de origem; c) a fiscalização severa quanto às leis que proíbem a construção e reconstrução de casebres; d) a fiscalização dos indivíduos acolhidos pelas instituições de amparo; e) promover forte campanha de reeducação social entre os moradores das favelas de modo a corrigir hábitos pessoais e incentivar a escolha de melhor mora dia (VALLA, 1986, p.36-37).

Ao lado do Parque Proletário foram construídas casas populares, tinham a presença da igreja, posto policial e da escola de educação física. Os moradores possuíam carteira de identificação e mostravam à noite nos portões que eram fechados às 22h. Todas as noites às 21h, o administrador, falava aos moradores sobre acontecimentos do dia, aproveitando para dar lições de moral caso fossem necessárias.

Como podemos contatar do que foi retratado anteriormente, tem sido criado na perspectiva da educação e saúde, o preconceito em relação ao pobre. Assim estamos falando de educação e saúde de cima pra baixo, esperando que as populações mais pobres tenham uma postura submissa em relação à sociedade.

Podemos evidenciar a questão do “fracasso escolar”, estudos (VALLA; HOLANDA, 1994) indicam que as crianças que são provenientes de classes populares e que tem acesso a escola pública poucas permanecem, tendo assim uma elevada evasão e repetência nas séries iniciais, essa evasão ocorre muitas vezes quando a criança sai da escola por conta própria ou por que arruma um emprego.

A dificuldade de compreender o fracasso escolar é a tendência de querer explicá-lo como uma questão de deficiência em saúde. Assim sendo, ouve-se com frequência justificativas para o mau desempenho escolar, que incluem tanto o fato da criança ter algum problema de saúde física, tais como problemas de visão, audição, desnutrição, distúrbios neurológicos, entre outros, quanto ser portadora de problemas psicológicos ou distúrbios de comportamento, como o excesso de agressividade, apatia ou dificuldade de concentração, que as impedem de aprender e limitam seu desenvolvimento escolar (VALLA; HOLLANDA, 1994).

Como podemos constatar com os exemplos da habitação popular e o fracasso escolar, a questão da educação e saúde está em vários segmentos da sociedade.

Dentro ainda dessa perspectiva podemos chamar a atenção para a chamada “empresa médica” ter se tornado um grande perigo na sociedade, contrariando o propósito de contribuição e solução dos problemas de saúde e doença da população. Diante da imposição dos profissionais de saúde ao determinar as prescrições desqualificando os saberes populares, reduz-se significativamente o nível global de saúde da sociedade, reduzindo o que constitui a saúde de individuo: a sua autonomia pessoal (ILLICH, 1975).

Entre as décadas de 80 e 90 foi criado um núcleo denominado ENSP, com o objetivo de ser uma instituição federal e pública, mantida pelos impostos que a sociedade paga. Seu propósito principal consistia em formar profissionais da saúde pública e também o de oferecer subsídios técnicos e assessoria a entidades populares da sociedade civil, como os sindicatos, associações de servidores públicos e moradores.

Um exemplo de como ocorria à atuação desse órgão municipal de saúde. O técnico explica para as mães a necessidade de ferver a mamadeira e o leite antes de oferecer ao bebê. As mães assimilam a lição, repetem o procedimento em casa, e na hora de viajar de ônibus para trabalhar com a criança, colocam a mamadeira esterilizada numa sacola junto com os sapatos, dinheiro de passagem e outros utensílios (VALLA, 1997).

Como podemos ler no exemplo anterior os profissionais da ENSP estavam estabelecendo uma relação de poder através do conhecimento repassado, não estavam levando em consideração o modo de vida dessa população.

O que foi discutido nesse texto expõe uma “construção desigual” de conhecimento, mostra que os projetos criados não são discutidos pelos representantes do Estado e as classes populares visando às necessidades dos mesmos. O que deve haver é a combinação das duas contribuições gerando uma terceira, assim solucionando os problemas de educação e saúde das classes menos favorecidas.


Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa.
Caderno de educação popular e saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa,
Departamento de Apoio à Gestão Participativa. - Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 160 p.: il. color. (Serie B. Textos Básicos de Saúde).

Texto: VALLA, V. V.; GUIMARÃES, M. B.; LACERDA, A. Construindo a resposta á, proposta de educação e saúde. (P.58-66)



(Educação e Saúde)